quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Lavradores migram do Norte para o Noroeste de Minas, mas são 'perseguidos' pela seca

Confiantes na fama de celeiro do Noroeste, famílias que deixaram terras áridas em busca de vida melhor na região são vítimas do avanço da desertificação
Mateus Parreira, Estado de Minas Publicação: 17/09/2013
Dom Bosco – Foi com muito sofrimento que o lavrador Wellington Inácio Siqueira, de 30 anos, aprendeu como sobreviver à aridez da estiagem do Norte de Minas, entre as cidades de São Francisco e Pintópolis, onde o gado magro engana a fome comendo cactos de palma picada e a água viaja em baldes na cabeça do sertanejo ou no lombo de jegues. Logo cedo ele se tornou chefe de família, aos 15 anos – o que é comum naquelas bandas. Foi quando nasceu Camila, sua primogênita. Wellington procurou emprego fixo nas fazendas e engenhos, mas a pouca idade e as dificuldades que a seca impunha aos fazendeiros o fizeram tomar o rumo dos flagelados do semiárido. Com três filhos e a mulher, deixou a terra natal e seguiu estrada afora, sujeitando-se a trabalhos temporários, de sol a sol, em péssimas condições de alojamento e alimentação. "Ganhava mal e trabalhava muito, mas só assim trazia o pão e o feijão para casa", lembra. A família passou seis anos vivendo à beira de rodovias, até que uma notícia lhes trouxe esperanças de sair da miséria. Foram selecionados para o Assentamento Novo Progresso, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no município de Dom Bosco, no Noroeste do estado. Estavam esperançosos, pois trocariam as dificuldades do Norte de Minas por uma nova chance nas terras férteis do Noroeste, o maior produtor de grãos de Minas, onde prosperavam fazendeiros vindos de várias regiões do Brasil. Mas não era nada disso que o destino reservava para os cinco retirantes. Como um flagelo que os persegue, a falta de chuvas e a degradação dos solos atingiu também a área onde receberam um terreno para cultivar, ao lado de outras 39 famílias de origens diversas. "Nossos poços artesianos secaram. É preciso viajar três quilômetros para encher os tambores d'água. Não podemos plantar hortas e nem uma roça de feijão aqui vinga, por causa da seca. Viemos procurar o melhor. Mas, infelizmente, aqui não é melhor", desabafa.A situação de Wellington e de sua família ilustra como o desmatamento e o manejo predatório do solo, somados às mudanças nos regimes de chuvas e no clima, tornaram o Noroeste de Minas a nova fronteira da sede no estado. Quem vive da terra em cidades como Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Urucuia já convive até com o processo mais grave de degradação dos solos, a desertificação, que pensava-se estar restrita às áreas do semiárido, como o Norte de Minas. De acordo com levantamentos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Urucuia, que abrange a região, pelo menos 180 mil hectares – uma área equivalente a três vezes a capital mineira – encontram-se em estágios diferentes de desertificação, como mostra desde domingo a série de reportagens do Estado de Minas. A desertificação fulminou as nascentes que corriam próximas ao assentamento Novo Progresso. De acordo com a Prefeitura de Dom Bosco, as precipitações, que chegavam à marca anual de 1.200 milímetros, em menos de uma década já não passam mais de 900 milímetros, próximo do nível do semiárido, que é de 800mm. "Além de escassas, as chuvas encontram o solo muito degradado e, em vez de penetrar na terra para abastecer os lençóis freáticos, viram enxurradas e destroem ainda mais os terrenos. Em muitas dessas terras não nasce mais nada que se planta e por isso são abandonadas", afirma o secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Dom Bosco, Marcus Vinícius Pereira. Por isso, não adianta mais furar poços nas propriedades rurais do assentamento. O único local que as 40 famílias dispõem para conseguir água é um poço artesiano perfurado pelo Incra e mantido pela prefeitura, mas que tem diversos problemas. A água fica estocada em uma caixa-d’água enferrujada, que precisa de limpeza. Por causa da falta de energia, que de acordo com os moradores é frequente, a água deixa de ser puxada pela bomba. Na frente do reservatório, os colonos fazem fila com baldes nas mãos. Quem mora mais perto traz seus vasilhames em carrinhos de mão e sobre a cabeça. Moradores mais distantes usam carroças e carros de boi, revivendo cenas típicas do Norte de Minas. As crianças do assentamento têm em comum, além dos bodoques que trazem enfiados nas bermudas, a determinação de ajudar os pais, seja puxando as carroças com tonéis de água ou na roça. Forjado no semiárido, Wellington ainda tem força de vontade para atitudes que para muitos parecem desesperadas, como escavar o fundo ainda úmido de uma das cacimbas que a comunidade perfurou para reter a água das chuvas para o gado beber. Debaixo das placas de barro rachado ele ainda encontra uma lama úmida que os bois magros lambem para não morrer de sede, recurso que só os sertanejos experimentados ainda conhecem. De acordo com o Incra, o poço do assentamento Novo Progresso tem vazão de 16.600 litros/hora e serve a 42 famílias. “Uma licitação encontra-se em fase de elaboração do projeto básico para contratação de serviços em várias regiões, inclusive o Norte de Minas, para atender cerca de 600 famílias”, afirmou o instituto, em nota.

Avanço da desertificação aumenta drama dos agricultores que já sofrem com estiagem

Norte de Minas é região do semiárido onde mudanças climáticas têm maior efeito
Luiz Ribeiro Publicação: 17/09/2013 06:00 Atualização: 17/09/2013 07:23
Francisco Sá, Montes Claros, São João da Lagoa e Verdelândia – O pequeno agricultor Valdionor Alves Moreira, de 63 anos, da localidade de Canabrava, em Francisco Sá, no Norte de Minas, sempre sofreu com as estiagens prolongadas que castigam a região. Mas além da "má vontade de São Pedro", lavouras perdidas, falta de pasto e dificuldade para conseguir água, Valdionor passou a conviver com outro problema: o desaparecimento completo da vegetação em áreas do terreno onde mora. Da sua casa, de onde se via uma paisagem carregada de plantas nativas. Hoje, é um morro limpo, com marcas de erosão. "Para mim isso é o fim dos tempos", lamenta. O drama do pequeno produtor de Francisco Sá expõe um fenômeno que cada vez mais desperta a atenção das autoridades e dos ambientalistas: o início do processo de desertificação. Um problema que preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010, uma vez que mais de um bilhão de pessoas estão com a subsistência ameaçada pela desertificação. Conter a ameaça é uma das metas da ONU, com a campanha "Década para os desertos e a luta contra a desertificação".No caso do Norte de Minas, a preocupação é ainda maior pelo fato de a região fazer parte do semiárido brasileiro, que tende a sofrer mais com os efeitos das mudanças climáticas que já vem sendo observada há muito tempo. Estudos apontam que, além de Francisco Sá, foram verificados locais com processos mais intensos de devastação e sinais de desertificação, segundo especialistas, devido à seca, desmatamento, monocultura de eucalipto, retirada irregular de areia e outras formas de degradação ambiental. "Existem áreas no Norte de Minas que estão propensas à desertificação, por conta do avançado processo de degradação", afirma o professor Expedito José Ferreira, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Ele disse que estudos realizados pela instituição indicaram locais com riscos de desertificação, especialmente em Francisco Sá, Montalvânia, Monte Azul e Espinosa. O fenômeno também é verificado em Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha. "Estamos com processo de degradação ambiental elevada em diversas áreas que levam para desertificação", observa Expedito José Ferreira, lembrando que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) considera comprometidas pelo fenômeno "as regiões que se caracterizam pela perda do potencial biológico, em condições semelhantes aos desertos já conhecidos no mundo". O especialista aponta como causas da degradação a erosão acelerada, desmatamento (principalmente de matas ciliares), poluição e assoreamento das nascentes e dos rios. "Quando se retira a cobertura vegetal, o solo fica mais exposto às intempéries. A cada ano, observamos o avanço desse processo com maior intensidade, o que demonstra a necessidade de maior atenção com medidas mitigadoras para conter a desertificação", avalia Ferreira. REPLANTIO EM VÃO Vizinho de Valdionor, o também agricultor José Rodrigues Fernandes Júnior convive com os "peladores" na propriedade de sua família, que tem 75 hectares. "Para mim, isso é conseqüência do desmatamento", afirma. "Há uma parte do nosso terreno onde já tentamos recuperar duas ou três vezes, arando a terra e plantando capim. Mas a gente planta e não nasce nada", reclama. O processo de degradação e tendência de desertificação é verificado também em Espinosa, um dos municípios do Norte de Minas mais castigados pelas secas, situado na divisa com a Bahia. "O processo vem se intensificando cada vez mais em Espinosa, com o secamento de rios e córregos e formação de voçorocas (erosão), algumas delas com cinco metros de profundidade e 12 metros de largura", relata Marco Aurélio Tolentino, ex-secretário de Agricultura do município. Em Espinosa e em Monte Azul as chuvas anuais diminuíram, fenômeno que a ONU/Pnud também considera como um fator preocupante das mudanças climáticas que representa riscos de desertificação. "Há registros de seca no município desde 1899. Mas a partir de 1975, a escassez de chuvas se intensificou. Existem algumas localidades do município onde o índice pluviométrico é de apenas 300 milímetros ou até 380 milímetros por ano. A produção de mantimentos caiu 70%", observa Marco Aurélio. "De uns tempos para cá, as coisas foram arruinando. Chove muito pouco e rios e córregos secaram. A gente não consegue colher mais nada”, conta Laura Pereira da Silva, de 54 anos, moradora da localidade de Passagem das Canoas, a 110 quilômetros de Espinosa. Ela lembra que o Rio Verde Pequeno, que passa pelo lugar, corria caudaloso o ano inteiro e hoje está seco. “Aqui é chamado de Passagem das Canoas porque só era possível atravessar o rio de canoa. Hoje, praticamente, a gente nem vê direito o sinal de onde passava a água do rio", descreve a mulher.